Durante o curso de Yoga em Lavras, uma das participantes, Ann perguntou sobre minha compreensão a respeito do ego. Respondi, baseada no que eu havia lido até então, mas eu mesma não me contentei com a resposta. Este texto é a união de minhas reflexões com uma compilação de informações a que tive acesso.
Don Juan diz: “A importância pessoal é o nosso maior inimigo...o que nos enfraquece é nos sentirmos ofendidos pelos feitos e pelas desfeitas de nossos semelhantes. Recomenda-se que todos os esforços devem ser feitos para erradicar a importância pessoal de nossas vidas” Neste trecho do livro O Fogo Interior de Carlos Castañeda me chamou a atenção o fato de que em diferentes linhas de estudos espirituais, o ego, ou como diz Don Juan, a importância pessoal deve perder suas forças dentro de nós. Mas a pergunta se aprofunda um pouco mais: É preciso aniquilar o ego?
O meu interesse no estudo de Raja Yoga, ou Yoga de oito partes, vem crescendo desde que conheci Os Sutras de Patanjali, o primeiro e mais importante escrito do Yoga.
A primeira vez que li um sutra, foi logo no início do curso de formação para intrutores de Yoga. Nunca me esquecerei. Em suma:
-O primeiro sutra diz: 'Atha Yoganusasanam' que significa 'Agora a exposição de Yoga está sendo feita'. O segundo sutra diz: 'YOGAS CITTA VRTTI NIRODAH' que significa 'O aquietamento das ondas mentais é Yoga'. Os seguintes sutras explicam o primeiro e o segundo.
Li a interpretação de Swami Satchidananda e em seguida tive acesso à interpretação de B.K. Iyengar e Sri Sankaracarya. Linhas distintas mas que para mim se agregaram na compreensão que até hoje alcancei a respeito do modo como a mente funciona.
Como funciona a mente
A soma total da mente é a consciência chamada de Chittam. Manas é a parte da mente que deseja, sendo a camada mais externa da consciência. Está relacionada diretamente com os orgãos de percepção, e através destes se conecta e sente a atração pelo mundo exterior. Buddhi é o intelecto, uma camada mais interna. É a inteligência ou a capacidade de discernir. Ahamkara é o ego, sendo a camada mais íntima da consciência. É o sentimento de “eu”. Sendo assim, a mente é a mesma que deseja alguma coisa, fica na dúvida se o que ela deseja é bom mesmo, decide se vale a pena realizar este desejo, e arquiva tanto o desejo como a realização do mesmo. Tudo isso acontece separadamente, mas é tão rápido que dificilmente distinguimos. Satchidananda em suas interpretações dos Sutras de Patanjali dá o seguinte exemplo:
“Um cheiro agradável vem da cozinha. No momento em que manas percebe, “Estou sentindo um cheiro agradável vindo de algum lugar”, buddhi raciocina, “Que cheiro é este? Acho que é queijo. Que bom! De que tipo? Suiço? Sim, é queijo suiço.” Assim, uma vez que buddhi decida, “Sim, é um delicioso pedaço de queijo suiço, como aquele saboreado na Suiça ano passado”, ahamkara diz, “Oh, então é isto? Então devo comer um pedaço agora”
Neste caso a mente deciciu que o pedaço de queijo deveria ser comido naquele momento. E a memória? A memória se apresentou quando existiu a dúvida: “Queijo suiço causa prazer ou dor?” E a prória memória buscou em seus arquivos e respondeu: “ Prazer!”. Então ahamkara (ego) decide por comer o pedaço de queijo. A mente, segundo Iyengar tem esta tendência: “repetir o prazer e evitar a dor”, e é devido a isso que evitamos colocar a mão no fogo, uma vez que já tenhamos sido queimados. Mas neste caso, se buddhi (discernimento) estivesse mais fortalecido e ahamkara (ego) menos fortalecido, a mente decidisse esperar uma hora mais apropriada para comer este pedaço de queijo.
No estudo de Vendanta manas, buddhi, ahamkara e também cittam, traduzido aqui como memória são pensamentos de tipos diferentes que constituem a mente como um todo (antahkaranam – instrumento interno). É dito que a natureza de manas (mente que deseja) é a oscilação entre Sankalpa e Vikalpa, dois pensamentos opostos que estão em constante mutação. A natureza de buddhi (intelecto) é a determinação, uma vez que é um tipo de pensamento de caráter decisivo. A natureza de ahamkara (ego) é a afirmação centrada no “eu”. Chittam é aqui traduzido como a memória, o arquivo das informações do passado, também uma forma de pensamento que apresenta oscilação em sua natureza.
Manas, buddhi e cittam são pensamentos que vão e vem, enquanto ahamkara está sempre presente, enquanto estamos acordados. Ele é um pensamento centralizador que referencia e comanda os outros pensamentos, relacionando-os com o “eu”. Desta maneira existe um ponto central que assume tudo o que experienciamos enquanto seres e assim surge o conceito de individualidade, o qual permite que nos relacionemos com os outros. Sobre esse assunto, Gloria Ariera no livro Tattvabodhah escreceu em suas interpretações:
“Fala-se na eliminação do ego, porém temos que entender o que isto significa. O problema relacionado ao ego (ahamkara) é acreditar que ele é o “eu” verdadeiro (Eu), enquanto ele é apenas um pensamento como os outros. Ele e os outros pensamentos têm uma natureza última que é a Consciência. Sua forma é de constante transformação. Quando entendemos a natureza aparente do ego, ele não mais nos dá problemas. Esta é a eliminação do ego. A eliminação da falsa realidade absoluta do ego”
continua...
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